“É certo que a
primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da
sua perpetuação...
Algum dia, talvez, nada
mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que
desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos
e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo
que, outrora se entendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta
primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos
passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos
antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai
tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos
das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam
com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um
instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na
rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.”
Cecília Meireles